Por Lina Vaz Retratos |
Na alegoria camusiana, a condenação do homem indiferente ao funeral da mãe. Em sua existência desinteressada, não chorou. Sem dia seguinte, sem esperança, sem ilusões. O familiar, o demasiado familiar, encosta-nos ao bocejo, entedia-nos, prende-nos numa cerca a suspirar por ventos, tempestades, unicórnios.
Hostilizamos
a estranheza, o estrangeiro. Procuramos refúgios, às vezes, para fugir
dos outros fugindo um bocadinho de nós próprios, como um actor que dá descanso
à personagem estudando sem cessar o próximo papel.
Pensar
é morrer em vida. O homem é um animal racional, porém para agir racionalmente
precisa exilar-se no pensamento. Nós já creditamos muito ao pensamento de
superar os deuses a sermos felizes.
Há que
se ter um refúgio. Um lugar em tempo e espaço teu, um pós-útero. Coisa de quem
precise estar consigo mesmo, conversar com seu Daimon sem intervenções. O lugar
intocável aos outros, no qual a entrada é permitida somente a si e aos seus. Todos
temos os nossos outros.
Já não
acreditamos mais no exílio. O livro se tornou o único espaço para o pensamento,
principalmente numa era em que alucinantes imagens nos pulam a cara e, os sons
estão cada vez mais ensurdecedores. O livro se torna o último espaço para o
refúgio, a fuga para a experiência do pensar.
Os livros dão-nos palco, aplausos e raízes. E despem a nossa nudez. Ou vestem-nos quando estamos mais nus. E só as distopias os tornam obsoletos. Ampliamos lugares, reescrevemos palavras e ações. Transportamos o único subterfúgio em possíveis-espaços-pensar. Convertemos a palavra-leitor para o duplo: eu-outro, eu-mundo, eu-palavra. Eu-eu, conversações in-finitas. Lugar do si mesmo.
* Escrito a seis mãos com Margarida Torres e Pedro Possebon
PS: amigos para sempre
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