Estava tudo tão bem no verão que
começou a sentir os ventos tremerem em si mesma, no outono, e o corpo a esfriar no
inverno. Não era lá fora que ventava frio. O frio fazia redemoinhos gelados em
seu próprio corpo até se acoplar na garganta. Deu um nó, um bolo, um incomodo
de palavras não ditas, de medo e desamparo: estou morrendo. Não de morte
súbita, mas daquela morte que todos nós experimentamos simplesmente por
existir.
Desamparada em um mundo
desamparado. Fazia questão de estar com sua sombrinha, notem bem o sentido
metafórico disso, mesmo se não estivesse chovendo. Protegida caso as águas
caíssem do céu. Quisera poder erguer uma sombrinha dentro de si mesma, contra
eventuais tempestades.
A garganta doía. Doía porque
nenhuma sombrinha no mundo poderia protegê-la daquela enxurrada de palavras
contidas. Das coisas que ela não fez e,
por não ter feito, não poderia dizer nada sobre elas. Das coisas que ela fez e já não
poderia mais voltar no tempo para poder contá-las de um jeito diferente. Do tempo que passava e não levava a dor embora.
Nada mais lhe restava do que
assumir: a sombrinha é um adorno, um charminho para disfarçar e enfeitar a
fragilidade que é viver. Também não há outro remédio para as palavras que lhe
embolaram a garganta, senão o de estruturar um modo de retirá-las de lá. O
desconforto está em saber que tal estrutura demanda invenção. É preciso algo
muito criativo para que as palavras se sintam seguras para saírem, com certa
elegância, da garganta. Por isso as palavras lhe doem, demandam uma narrativa, e não é fácil inventar uma história, mesmo quando as palavras suplicam para sair.
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